10/09/2018
Na escola Sor Juana, estudantes, professores e familiares aprendem juntos
Pais, mães e avós que voltaram a estudar contam como transformaram a relação com a escola e com a aprendizagem das crianças
Dona Lorenza é referência na escola Sor Juana Inés de la Cruz, no México. Prestes a completar 70 anos, ela está aprendendo a ler e a escrever, e inspira aos grandes e pequenos com seu desejo de superar-se. Filha mais velha de uma família de 14 irmãos, Lorenza se criou no campo e desde cedo precisou trabalhar para ajudar sua família, por isso não teve a oportunidade de estudar.
“Estou muito bem, gosto de ler, gosto muito de estar aqui na escola e estudar. É que eu nunca tive escola, nunca tive nada. E só agora, depois de grande, disse: vamos ver se aprendo?”, conta Lorenza.
Para Dona Lorenza, não foi fácil voltar a estudar. No começo, diz que sentia vergonha, ficava nervosa e até evitava falar. Mas aos poucos, com a ajuda de Don José, professor da turma de alfabetização, foi ganhando mais confiança para participar, para expor suas ideias e responder aos questionamentos apresentados.
“Ela não sabia ler nem escrever, no entanto participava de muitas atividades dentro da escola, mas de uma maneira limitada. Agora já está no processo da Educação Primária e concluiu sua alfabetização. Sua participação nos grupos, como a Tertúlia ou os Grupos Interativos, já se nota: antes sua presença era com a vista baixa, a cabeça baixa, e hoje não, hoje já participa plenamente de todas as atividades”, pontua José.
Foi em agosto de 2017, que a diretora da escola, Claudia Rossana Álvarez Flores, e a formadora local de Comunidade de Aprendizagem pela Vía Educación, Dora Trujillo, convidaram as famílias para experimentarem as Tertúlias Dialógicas Literárias, dando início à primeira ação de Formação de Familiares. “A moderação da Tertúlia é feita por um professor a cada sessão, e a diretora participa também. Os livros que temos lido são clássicos disponíveis na biblioteca da escola”, explica Dora.
Assim como Lorenza, uma parte dos familiares que se interessaram em participar não sabia ler ou escrever, mas permaneceram ali, escutando e conhecendo as histórias narradas pelas vozes daqueles que dominavam as letras. Foi para atendê-los que surgiu a ideia das aulas de alfabetização, iniciadas em novembro daquele mesmo ano. Dois meses depois a escola iniciou também aulas de Computação.
O que motiva Dona Lorenza a enfrentar com serenidade e alegria o desafio dos dias é sua neta, que cria como filha desde os dois meses de idade. “Minha menina acaba de terminar o sexto ano e agora foi sua formatura. De todo modo, vou seguir estudando e lendo nesta escola. Eu segui adiante por ela, por ela venho estudar, para que ela veja e se motive”, diz a avó.
A participação da comunidade em atividades educativas, como é a Formação de Familiares, é um passo importante para que famílias que não tiveram acesso ao saber acadêmico sintam-se à vontade para se colocar e interagir na escola. Um dos pontos poderosos desta Atuação Educativa de Êxito é sua capacidade de promover a autoestima destas famílias e criar processos de aprendizagem com mais sentido para todos os envolvidos.
Dona Lorenza agora anda de cabeça erguida. Ao final da entrevista, nos conta orgulhosa que fez seu último exame, e adivinha? Tirou um dez!
Superar dificuldades
A força de vontade da senhora Lorenza inspirou Maria Luzina Amelia, a Mely. Como Lorenza, Mely também vem de uma família numerosa e de poucos recursos, e, assim como ela, precisou trocar os estudos pelo trabalho para ajudar em casa.
A escola Sor Juana está localizada em Los Tulipanes, bairro do município de Zapopan, estado de Jalisco, México. Mely conta que chegou ali aos 13 anos e que passava as tardes olhando a escola através da janela, enquanto sonhava em voltar a estudar.
“Vinha trazer minhas irmãs, porque elas encontraram lugar, e para mim não houve. Voltava para fazer os serviços de casa, depois regressava para ajudar a escola a construir salas de aula, que ainda estavam pela metade quando eu cheguei. Me agradava a ideia de continuar estudando”, diz.
Mely é voluntária da Biblioteca Tutorada e dos Grupos Interativos, e participa das aulas de Computação e das Tertúlias para familiares. Hoje, ela se emociona ao ver suas quatro filhas estudando na escola onde não pôde estudar. Tem até outras escolas mais perto, mas Mely faz questão de ver suas meninas se formando ali. “Eu peguei amor por esta escola. Saber que daqui vai sair minha filha, e que vai se formar nesta escola, me dá muito gosto”, comenta satisfeita.
Antes de casar-se, cursou a Secundária Aberta. Agora sonha em estudar Jornalismo. “Eu gosto muito de Fotografia, gosto muito de Jornalismo, de Desenho. Por esta razão me meti na Computação, para continuar estudando”, afirma Mely.
Toda a dificuldade que teve em estudar no passado, se converte agora em força. E é com esta vontade que ela incentiva suas filhas. “Eu quero que vocês cheguem até onde vocês quiserem. Se vocês querem, vocês podem! E vou tratar de fazer o que for necessário para que vocês estudem o que quiserem”, diz a elas.
Estes dias, uma de suas filhas a surpreendeu lhe devolvendo a pergunta: “e você, mamãe, o que você gostaria de ser? Porque você ainda pode!”
Estreitar os laços
Luis Enrique Pérez e Saira Hernandez são casados, têm três filhos na escola - dois meninos e uma menina - e juntos fazem parte dos Grupos Interativos, das Tertúlias para familiares e da Comissão Mista de Convivência. Para o casal, a principal mudança trazida pelas atuações educativas de CA foi o fortalecimento das relações familiares.
“Aumentou mais a convivência que tínhamos em família. É que nós cinco sempre fomos muito unidos. Mas por conta de estarmos aqui nos Grupos Interativos, nas Tertúlias, isso se ampliou muito mais, e eles se abriram muito mais conosco”, acredita Saira.
Dividir com os filhos uma experiência educativa comum, como no caso das Tertúlias, se mostrou um caminho positivo para garantir que os familiares se aproximem efetivamente do processo de aprendizagem das crianças. No caso da escola Sor Juana, são elas quem mais incentivam pais e mães a participar.
“Agora entre nós cinco nos dispomos a ler juntos, a ver os temas dos livros e assim vamos convivendo mais na leitura. E vejo a cara deles de felicidade quando nos veem entrar na escola, isso já é suficiente. Eles gostam quando veem que viemos para a Tertúlia. Um dia antes: ‘papai, amanhã é dia de Tertúlia, não esquece’, conta Luis.
Uma das conclusões apresentadas pela pesquisa INCLUD-ED é que os resultados acadêmicos dos estudantes melhoram quando seus familiares estão fazendo formação, independente do nível de escolaridade destes. Isso porque, ao verem seus pais ou mães estudando, as crianças passam a enxergá-los como referências positivas com quem podem tirar dúvidas ou compartilhar suas aprendizagens.
Melhorar a convivência
Além de melhorar o desempenho acadêmico dos alunos, a Participação Educativa da Comunidade também têm ajudado a superar antigos conflitos e melhorar as relações de convivência no interior da escola.
“Eu acredito que estamos enfrentando o bullying, o famoso bullying, e todos esses maus costumes que temos arrastado há anos, porque o bullying não é de agora, é de anos. Mas agora nós acompanhamos mais, temos mais informações sobre isso”, defende Luis.
Para Saira, a realização dos Grupos Interativos também tem ajudado a promover uma relação de respeito e ajuda mútua entre os estudantes. “Nas equipes, as crianças se ajudam. O que está mais avançado ajuda os demais. Já se vê a união entre as crianças, o respeito também”, afirma.
A escola Sor Juana começou a implementar as atuações educativas de Comunidade de Aprendizagem em 2016 e contou, desde o início do projeto, com o compromisso e o entusiasmo de toda equipe, sobretudo para contornar conflitos travados entre alunos. Leia mais.
“No começo, tivemos problemas. Houve uma espécie de bullying sobretudo contra os adolescentes. Mas, por parte da equipe docente, tivemos muito apoio porque conversaram com as turmas e conseguimos mudar esta situação”, lembra José de Jesús Lomeli Rodriguez, o Don José, referindo-se ao início das atividades de formação. José é assistente de direção e atua como educador voluntário na turma de alfabetização.
Mais além da particularidade dos conteúdos trabalhados, a Formação de Familiares tem criado também possibilidades para que os conhecimentos da comunidade circulem dentro do ambiente escolar, dando espaço à Inteligência Cultural.
Para Don José, que reencontrou na alfabetização de jovens e adultos seu caminho como educador, as formações têm sido fontes de aprendizado permanente. “Todos os dias aprendo algo deles. De repente, ao estar no grupo, surgem situações e aprendo sobre remédios caseiros, receitas de cozinha, situações familiares que eles estão enfrentando e como as tem resolvido, questões sobre seus lugares de origem, como são, quais são suas tradições etc. Espero que isso cresça mais e mais”, conclui.
Por: Bárbara Batista
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