08/02/2021
Grupos Interativos online: mais diálogo e colaboração nas aulas a distância
Saiba como organizar os GIs online a partir de práticas desenvolvidas por redes de ensino e conteúdos trabalhados nas formações desenvolvidas pela equipe da Baobá
O ano de 2021 se iniciou no Brasil marcado pelo agravamento da pandemia de covid-19. Em meio a incertezas em relação às condições para a reabertura de escolas, a necessidade do ensino remoto ainda desafia os processos de ensino-aprendizagem. Neste contexto, técnicas(os), gestoras(es) e educadoras(es) de todo o país têm buscado caminhos para reduzir as distâncias, manter os vínculos e garantir aos estudantes o direito de aprender.
A combinação de diferentes estratégias tem sido necessária para enfrentar a exclusão digital e possibilitar a todos o acesso aos conteúdos escolares. Mas, mesmo nos contextos onde a conexão à internet permite a realização de aulas ao vivo e o uso de plataformas digitais, ainda há o desafio de garantir a qualidade das interações.
Nestes casos, substituir os modelos de aulas expositivas por ambientes de colaboração tem se mostrado fundamental para estimular o diálogo e a participação mais ativa de estudantes, promovendo a interação necessária para potencializar a aprendizagem.
"O Grupo Interativo é uma atuação educativa que promove o diálogo, as trocas, a escuta, amplia a capacidade de observação do professor e cria condições para participação efetiva das famílias no processo educativo. Todos estes aspectos são importantes para superar a distância imposta pela pandemia", acredita Priscila Collet, coordenadora do Grupo Baobá, principal organização responsável pela implementação de Comunidade de Aprendizagem no Brasil.
Criar estes momentos, no entanto, requer adaptações, planejamento e desenvolvimento de novas habilidades por parte dos profissionais da Educação, sobretudo para uso dos recursos e ferramentas digitais. Para apoiá-los neste processo, a equipe de formadores da Baobá organizou uma série de formações ao longo de 2020, orientando a realização de Grupos Interativos e outras Atuações Educativas de Êxito online.
A partir dos conteúdos das formações e da experiência sistematizada das redes de ensino, foi elaborado o guia "Como fazer Grupos Interativos online". Acesse o material aqui.
Como funcionam os Grupos Interativos?
Os Grupos Interativos são uma forma de organização de aula fundamentada pelos princípios da Aprendizagem Dialógica e pela diversificação das interações. Reunidos em pequenos grupos heterogêneos, mediados por voluntárias e voluntários - geralmente algum familiar de estudante -, meninas e meninos com diferentes ritmos, perfis e níveis de conhecimento compartilham o que sabem e se ajudam no desenvolvimento das atividades propostas pelo professor, sempre a partir de conteúdos já trabalhados.
Define-se um período de tempo para o desenvolvimento coletivo da atividade, que no presencial varia de 15 a 20 minutos, mas que nos grupos virtuais podem ser mais curtos, de acordo com limites de tempo da plataforma utilizada.
As atividades propostas circulam entre os subgrupos até que cada grupo tenha tido contato com todas elas. O objetivo dessa ação é que haja, por intermédio e auxílio de voluntárias ou voluntários, um acompanhamento maior do desempenho dos estudantes e a potencialização da interação, colaboração e troca de conhecimento entre eles. Para saber mais, consulte o Caderno Formativo e o curso EAD gratuito disponíveis no portal do projeto.
Ao intensificar a colaboração em grupos pequenos, heterogêneos e mediados por voluntários da comunidade escolar, os Grupos Interativos garantem a participação mais ativa dos estudantes durante as aulas remotas, resgatando momentos de interação fundamentais para o efetivo processo de aprendizagem.
Formação de professores
"Há anos atrás, se alguém me perguntasse sobre a possibilidade de fazer um Grupo Interativo virtual, eu diria que seria impossível, pois as interações virtuais são mais difíceis de acontecer e isso exigiria um aparato tecnológico que a gente não tinha. Mas aí nos vimos nessa condição de isolamento social frente à pandemia e todo mundo precisou se reinventar e quebrar paradigmas", avalia Priscila Collet.
O desenvolvimento de habilidades para uso adequado das ferramentas digitais e reorganização dos formatos de aulas nesse contexto exigiram um processo contínuo e amplo de formação das equipes, além de muito diálogo para ouvir professores e gestores, entender as demandas e apoiá-los para lidar com uma realidade desconhecida, se apropriar das tecnologias e construir as mudanças necessárias.
O objetivo central das formações organizadas pela Baobá foi o de criar espaços de diálogo onde técnicos, gestores e educadores pudessem experimentar o uso das ferramentas digitais em consonância com atuações educativas adequadas às aulas a distância. "Fizemos alguns pilotos de Grupo Interativo online e percebemos a potência e as possibilidades de interação, mesmo que virtual. Isso foi central para trazer segurança no uso das ferramentas digitais, na organização do tempo, no estímulo ao engajamento dos alunos", analisa a coordenadora da Baobá.
Rita de Cássia, gestora pedagógica do Centro Educa Mais Professora Margarida Pires Leal, em São Luís do Maranhão, conta que, após participar de uma formação em julho, enxergou a possibilidade de retomar os Grupos Interativos com estudantes no novo formato online." A pandemia trouxe uma quebra abrupta nos trabalhos desenvolvidos e isso teve um impacto muito grande na escola. Então, fomos atrás de como desenvolver as AEEs a distância", relembra.
Antes de desenvolver a prática com estudantes, a equipe da escola desenvolveu formações internas e vivenciou Grupos Interativos com professores e voluntários. "Montamos os ambientes de sala de aula e, com questões de raciocínio, fizemos um treinamento entre nós para que o ambiente virtual pudesse ser melhor compreendido", conta a gestora.
Os ciclos de formação foram importantes para apresentar a possibilidade de desenvolver as Atuações Educativas de Êxito (AEEs) com uso de recursos que os educadores já têm disponíveis. "Parecia um tanto difícil, mas as pessoas também foram se surpreendendo, se aperfeiçoando e dando conta de ressignificar as práticas pedagógicas", avalia Priscila.
As formações online organizadas pela Baobá tiveram grande adesão de profissionais da Educação de diversas regiões do país e isso abriu também possibilidade para articulação de novas redes, potencializando trocas e compartilhamento de soluções para problemas comuns.
Nas palavras do professor e educador de apoio Sérgio Douglas, de Serra Talhada, Pernambuco, poder discutir, dialogar e dividir as experiências com outros educadores foi fundamental. "A formação em CA foi uma oportunidade de escutar nosso colega que mora em outra cidade, Petrolina, Arcoverde, e conhecer todos esses olhares. No final, a gente criou laços de amizade, de companheirismo e de profissionalismo", diz o educador.
Sérgio trabalha na Escola de Referência em Ensino Médio Cornelio Soares e conheceu a proposta de CA durante uma das formações virtuais. Agora ele se prepara para dividir o que aprendeu com a equipe de professores e implementar as AEEs com estudantes em 2021.
Parceria com as famílias
Para manter o desenvolvimento dos estudantes com as escolas fechadas, ou parcialmente abertas, o apoio da família foi fundamental e o Grupo Interativo se mostrou uma forma estruturada de trazer os familiares como parceiros deste processo, construindo junto, auxiliando no acompanhamento das turmas.
Segundo o educador Sérgio Douglas, o Grupo Interativo apresenta uma forma de juntar parceiros de dentro e de fora da escola para auxiliar no desenvolvimento das habilidades dos estudantes. "Eu vejo os Grupos Interativos como uma possibilidade de inserir dentro do projeto educativo a própria comunidade: o pai, a mãe, um pintor, um artista, um médico que a gente tem aqui próximo a nossa escola, trazer essas contribuições através de um trabalho consistente, orientado, organizado", afirma Sérgio.
Ao aproximar outros agentes do projeto educativo, o Grupo Interativo diversifica as trocas de conhecimento e agrega outros saberes ao ambiente de aprendizagem, seja presencial, seja remoto, sempre dialogando com a realidade e as necessidades de cada contexto. É uma proposta viável, pois depende apenas do fortalecimento do diálogo entre os envolvidos, sem sobrecarregar o trabalho docente, que já se encontra bastante atarefado com as demandas da quarentena.
No entendimento de Sérgio, que como educador de apoio acompanha de perto o trabalho pedagógico, a proposta traz leveza para o cotidiano do professor. "Aos poucos vamos vendo que é um trabalho leve, que dialoga com o olhar humanizado da escola e que pode ser feito de forma tão prazerosa que, ao final, você quer repetir outras vezes", diz Sérgio.
Para Ana Célia, professora e coordenadora de Matemática do Centro Educa Mais Professora Margarida Pires Leal, o apoio de familiares como voluntários nos Grupos Interativos permite a divisão da turma em grupos menores, facilitando o diálogo entre os pares e, ao mesmo tempo, aproximando os pais dessa atmosfera do ensino remoto que é nova para todo mundo. "É um caminho para retomar a interação porque nos subgrupos os meninos e meninas conseguem se ver, olhar uns para os outros. Trabalhando com grupos pequenos o professor consegue observar melhor a evolução e cada aluno contribui com aquilo que ele já sabe, há essa troca. Isso dá um dinamismo para a atividade", acredita a professora.
Inclusão digital e equidade
Sem deixar de reconhecer o esforço das redes de ensino, o trabalho incansável de gestores e professores e a mobilização de comunidades escolares em todo país para garantir que os alunos continuassem aprendendo com as escolas fechadas, é preciso pontuar que todo trabalho feito na Educação, em 2020, esbarra no problema da exclusão digital.
Para fazer os Grupos Interativos, por exemplo, há diversos casos em que equipes e famílias da rede de Comunidade de Aprendizagem se mobilizaram como puderam para garantir condições de participação para famílias sem acesso à internet, seja reservando o espaço da escola de forma segura, seja emprestando ou doando equipamentos para as famílias que não tinham. Mas isso não é suficiente.
"O Grupo Interativo é uma ferramenta para trabalhar com a interação, para aproximar as crianças nesse momento de isolamento, para que haja troca, mas ela não pode ser uma ferramenta para aumentar ainda mais as desigualdades", enfatiza Priscila Collet.
A atuação educativa surge justamente como alternativa a antigas práticas de reforço escolar que separavam alunos com dificuldades de aprendizagem. "O Grupo Interativo, como todas as outras AEEs do projeto, tem o objetivo de melhorar a aprendizagem de todos. Para isso, a gente tem que trabalhar com a eficácia e a equidade, se eu não estou trabalhando com equidade eu não estou fazendo Grupo Interativo", destaca Priscila.
Para a coordenadora da Baobá, o grande desafio de 2021 é fazer com que todos os estudantes que necessitem participar de aulas a distância tenham acesso à tecnologia. "Sem isso, estaremos de novo reforçando e ampliando as desigualdades que já existem entre os alunos e as famílias", reforça.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicado em setembro, seis milhões de estudantes não têm acesso à internet em casa no Brasil (leia mais). A pesquisa estima, ainda, um custo de R$ 3,8 bilhões para universalizar o acesso às tecnologias necessárias a atividades remotas de ensino com iniciativas como aquisição de chips de dados, celulares, tablets e kits de conversão à TV digital.
Alguns projetos de lei foram redigidos ao longo de 2020 para garantir a universalização do acesso à internet a estudantes e professores. É urgente que sejam aprovados e que os governos se comprometam para convertê-los em políticas públicas de inclusão e equidade, como forma de garantirem o próprio direito de acesso à Educação.
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