25/11/2019
Estudos de caso apresentam transformações geradas por CA nas escolas
Pesquisa realizada em três escolas brasileiras de Comunidade de Aprendizagem evidencia também fatores que contribuíram para o sucesso da iniciativa
A proposta trazida por Comunidade de Aprendizagem (CA) é capaz de promover o diálogo, a postura colaborativa e a cultura de participação em escolas de diferentes contextos, e isso tem contribuído efetivamente para melhorar a aprendizagem. É o que mostra o resultado dos estudos de caso realizados pela Move Social em três escolas públicas brasileiras da rede de CA, entre maio e junho de 2019.
“Os atores e atrizes das escolas compartilham uma compreensão de que o projeto educativo precisa ser partilhado e não é de competência única e exclusiva do trabalho realizado por docentes em sala de aula. É possível afirmar que a comunidade escolar se torna corresponsável pelo trabalho pedagógico desenvolvido a partir das estratégias instaladas pelo projeto”, afirma a coordenadora da pesquisa pela Move Social, Walquiria Tiburcio.
A pesquisa foi feita com o objetivo de entender em que medida o projeto produz transformações nas escolas e quais fatores contribuem para o sucesso da proposta. O estudo envolveu entrevistas com estudantes, docentes, gestão escolar, familiares, equipes técnicas e secretárias(os) de Educação, grupos focais e observação de Atuações Educativas de Êxito (AEEs) e de outras atividades pedagógicas desenvolvidas em cada unidade escolar.
A equipe de pesquisa da Move Social acompanhou as atividades de três escolas com contextos distintos e diferentes modelos de implementação. A EMEF Nicolau Couto Ruiz, por exemplo, está localizada em uma pequena comunidade rural com fortes laços de parentesco, do município de Tremembé (SP), mas tinha dificuldade para estabelecer uma relação de parceria efetiva entre familiares e gestão. “Acompanhar o cotidiano das aulas, via Grupos Interativos, aproximou as mães do trabalho pedagógico e trouxe confiança para essas mulheres na relação com seus filhos e filhas”, relata Walquiria.
No caso da EMEF Domitilia Assunção de Menezes, de Horizonte (CE), uma das principais contribuições do projeto foi em aspectos relacionados à aprendizagem. A escola tem um histórico de baixo desempenho nas avaliações e percebeu-se que a chegada do CA reforçou e viabilizou o estabelecimento de práticas que apoiaram estudantes a se desenvolverem. Já na EM Professora Nilda Maria Carvalho, em Iraquara (BA), observou-se grande apropriação dos princípios de CA. “Funcionárias e funcionários, equipe de gestão e estudantes se referiam aos princípios de maneira bastante fluida”, avalia a pesquisadora.
“São escolas muito diferentes entre si e que chegaram em conclusões comuns sobre os tipos de transformação que estão acontecendo”, comenta Jonas Waks, coordenador de Comunidade de Aprendizagem pelo Instituto Natura. Para ele, este dado é importante porque reitera a universalidade da proposta.
Participação, convivência e aprendizagem
A equipe de pesquisa analisou as transformações encontradas a partir de três eixos – participação, convivência e aprendizagem – e concluiu que o movimento alimentado a princípio pela Comissão Mista, e reafirmado continuamente pelas AEEs, cria nas escolas uma cultura de participação que antes não existia.
“A comunidade escolar passa a perceber a escola como um lugar de possibilidade e essa presença na escola, ocupando novos lugares a partir de uma participação mais ativa, instala novas demandas nestes contextos. Uma delas é o diálogo e, neste sentido, destaca-se que foi observada melhor capacidade para conversa, principalmente entre familiares e gestão escolar, isso é tributário do fato de que são estes grupos que participam de maneira mais ativa nas Comissões Mistas”, diz o estudo.
A pesquisa constata também que a prática das AEEs – como os Grupos Interativos e as Tertúlias Dialógicas – constrói outras trilhas para o desenvolvimento afetivo e cognitivo, fortalecendo vínculos e possibilitando múltiplas formas de interação aos estudantes, que adotam uma postura cada vez mais colaborativa e ampliam a capacidade de aprender juntos.
“A participação foi declarada como eixo importante para a melhora da aprendizagem e os estudantes potencializam a capacidade de aprender entre si, colaborativamente. Essa característica, para quem trabalha na perspectiva das interações que transformam, é um resultado muito rico”, avalia Jonas.
Este relato da gestão da EMEF Domitilia Assunção, presente no estudo, conta como foi a construção desta relação de confiança que aproximou familiares do projeto educativo:
“Quando nós iniciamos, os pais diziam muito sobre a questão dos Grupos Interativos: ‘não vou, não’, ‘não me leve não que eu não sei ler’. Mas a gente dizia, ‘não, mas você não precisa responder nada. Você só vai estar ali, presente’. E aí nós fomos conquistando. [Hoje] nós temos pais na Comissão de forma bem ativa, nós fazemos reunião de pais e temos uma presença bem significativa. Nós já fizemos mutirão pra limpar os arredores da escola e os pais estarem aqui, presentes pra ajudar. Nós conseguimos essa mudança muito grande, de 2015 pra cá, e isso muda a aprendizagem dos alunos”.
Ainda que não seja possível, no âmbito dos estudos de caso, estabelecer uma relação de causalidade absoluta entre as práticas do projeto e os avanços observados nos resultados das avaliações oficiais, a pesquisa conclui que o Comunidade de Aprendizagem contribui para a instalação de um ambiente escolar mais saudável para o desenvolvimento do processo de aprendizagem e que este ambiente tem capacidade para influenciar os resultados de aprendizagem.
Fatores de sucesso
A pesquisa também evidenciou, a partir das entrevistas e da observação de campo, fatores críticos de sucesso que fazem a diferença nos resultados alcançados. “A análise buscou identificar tanto os fatores de contexto, inerentes às próprias realidades, quanto fatores de processo, instalados e viabilizados pelo projeto, e, neste sentido, traz leituras importantes sobre quais caminhos estas escolas percorreram para chegar aos resultados observados”, explica Walquiria Tiburcio.
O primeiro fator de sucesso apontado para as três escolas visitadas é a abertura e disponibilidade da equipe técnica das Secretaria de Educação às demandas das escolas. Em Horizonte, por exemplo, há uma árvore dos Sonhos feita coletivamente pela equipe da secretaria de Educação. “Faz toda a diferença quando as equipes das secretarias estão envolvidas. Nas três escolas isso foi decisivo para alcançar os resultados” afirma Jonas Waks.
A parceria com outras iniciativas do território foi outro fator de destaque identificado pelo estudo. Em Iraquara, por exemplo, a gestão do projeto é feita em conjunto com o Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (ICEP), organização que tem um trabalho territorial consolidado e uma concepção pedagógica alinhada aos princípios de Comunidade de Aprendizagem. Em Tremembé, o programa Família e Escola Juntas (FAST) é um grande aliado na mobilização de voluntários, fortalecendo a questão da participação.
Outros fatores elencados dizem respeito aos preceitos previstos na implementação de CA, como a vivência adequada da Fase dos Sonhos enquanto condição crucial para criação de sentido junto à comunidade escolar. “Quem já viveu a Fase dos Sonhos sabe a força que tem. Não é à toa que a gente sugere que os Sonhos fiquem visíveis e sejam de tempos em tempos revisitados, é isso que dá força para a proposta”, acredita Jonas. O estudo pontua ainda que a concretização dos Sonhos é o que move a Comunidade de Aprendizagem e mantém as pessoas engajadas.
“Com esse mapeamento espera-se municiar a equipe do projeto a identificar lacunas e fortalezas da iniciativa”, diz a pesquisadora Walquiria Tiburcio. A expectativa é que, a partir dos parâmetros observados, o estudo contribua com o desenvolvimento e o aprimoramento da proposta de CA nas escolas. Acesse a pesquisa completa aqui.