04/05/2015
“Todo mundo pode ensinar um pouquinho”, diz mãe de aluna de São Bernardo do Campo, SP
Desde que a filha Gabrielly começou a frequentar a escola, há dois anos, a dona de casa Giulene Rodrigues de Lima, 45, tinha vontade de participar mais ativamente de sua vida escolar. Quando conheceu o projeto Comunidade de Aprendizagem, em uma apresentação na escola da filha, soube que tinha encontrado a oportunidade que buscava. “O mais interessante é a comunidade poder participar mais, estar presente, colaborar. Porque, como foi dito, ninguém precisa saber para participar. Eu sempre achei que eu não tinha muito como ajudar porque meu nível de escolaridade é muito baixo. Mas eu vi que para participar basta nossa experiência de vida. Ninguém é incapaz, todo mundo pode ensinar um pouquinho”, conta entusiasmada.
Gabrielly, de 5 anos, é aluna do Infantil 5 da EMEB Francisco Beltrán Batistini "Paquito", de São Bernardo do Campo, SP. A escola é uma das onze da rede municipal que estão implementando o projeto Comunidade de Aprendizagem, através de uma parceria entre a Secretaria de Educação de São Bernardo do Campo e o Instituto Natura.
A implementação teve início no segundo semestre de 2014, em escolas de Educação Infantil. Atualmente, as escolas participantes encontram-se em diferentes fases de transformação: duas estão em fase de Tomada de Decisão, e as outras nove já decidiram se transformar e estão transitando entre as fases de Sonho, Seleção de Prioridades e Planejamento.
Para Virginia Marino, assistente de diretoria do Departamento de Ações Educacionais da Secretaria, promover a participação ativa e efetiva da comunidade é um dos principais atrativos da proposta. “A gestão democrática ainda é um grande desafio que São Bernardo tem. Avançamos pouco nesse tema, então esperamos que essa seja uma grande contribuição do projeto”, afirma. “Várias Atuações de Êxito de certa forma já acontecem pontualmente, em diferentes lugares. Com o projeto, nossa expectativa é poder sistematizar estas atuações, discutir com maior aprofundamento teórico, e qualificar o que a gente já faz.”
Sonhos e reflexões
Localizada próxima às margens da represa Billings, a EMEB Francisco Beltrán passou recentemente pela Fase de Sonhos. Nos murais em frente à cada sala de aula estão expostos os sonhos de pais e alunos, escritos ou desenhados. Entre eles: “um bom ambiente escolar”, “aulas de artes, dança, canto, inglês, espanhol, informática”, “piscina, rampa de skate, tanque de areia”, “uma escola sem preconceito racial, religioso e econômico”, “estímulo à criatividade”, “união entre pais, filhos e profissionais da escola”.
Giulene conta que o convite a sonhar a fez refletir muito. “Sonhar foi difícil pra mim! Eu descobri que eu cobrava, mas não sonhava. Mas se eu não sonho, como é que vou começar alguma coisa? Então conversamos bastante, eu, meu marido e a Gabrielly, e chegamos ao sonho de que a escola tenha as portas abertas no final de semana, porque aqui no bairro não tem atividade assim. Foi isso que a gente sonhou, uma escola mais aberta, que possa receber a comunidade.”
A diretora da escola, Andreia Rocha, observa que os sonhos também provocaram reflexões e conversas entre a equipe gestora e professores. “Os sonhos assustaram um pouco alguns professores, pois surgiram críticas à atuação deles. Nós conversamos e tentamos transmitir que são desafios. A partir do momento que você abre pra comunidade falar o que pensa e o que deseja, tem que estar pronto pra receber não só elogios. Agora temos muito o que pensar, muito trabalho pela frente”, afirma. “Foi importante porque eles [os pais] trouxeram coisas que às vezes não trazem no dia a dia, e são assuntos que têm que ser trabalhados”, acrescenta a vice-diretora Adélia dos Santos.
Segundo Camila Silva Alves, coordenadora da escola, a decisão de se transformar em Comunidade de Aprendizagem veio ao encontro de um desejo que já existia, tanto por parte da equipe da escola como da comunidade, por maior integração. “Esta escola foi vista com potencial [para tornar-se uma CA] desde o princípio. Temos pais participativos, e já procuramos ouvi-los. Mas a comunidade solicitava estar mais presente, e a equipe da escola também sempre sonhou com maior participação dos pais. Então entendemos que o projeto iria otimizar o que já pensávamos pra escola”, explica.
Em março passado, a escola formou sua primeira Comissão Mista, da qual fazem parte 15 pessoas: três funcionários, as três membros da equipe gestora, quatro professoras e cinco mães. Giulene é uma delas, e está empenhada em mobilizar mais gente. “Eu convidei outras mães para uma reunião em casa, fiz um ‘chá de mulheres’, divulguei o informativo. A comunidade cobra da escola, mas não faz nada. Não adianta a gente querer tudo pronto, porque não vai estar, a gente precisa saber o que quer. A partir daí pode construir algo que vale a pena. E não é a diretora sozinha que vai fazer isso acontecer. É a comunidade! O nome do projeto já diz”, argumenta.
Agora, a Comissão está dando andamento à Seleção de Prioridades: analisando e catalogando os sonhos. Além disso, a escola planeja começar os Grupos Interativos ainda este ano.
Compromisso com a transformação
Nas demais escolas participantes, as equipes também estão ativas e comprometidas. “As escolas estão mobilizadas, as que entraram no projeto entraram de fato”, afirma Beatriz Siqueira, formadora do Instituto Natura que acompanha o projeto em São Bernardo do Campo.
De acordo com Virginia Marino, o foco da Secretaria de Educação é acompanhar, sustentar e fortalecer estas escolas que assumiram o desafio de se transformar, preservando sua autonomia. Outra prioridade é facilitar a comunicação entre elas, inclusive as que não estão participando, e dar visibilidade aos resultados que venham a obter. “Queremos que o conhecimento produzido faça sentido para outros lugares e pessoas”, diz Virginia.
No futuro, a Secretaria tem planos de expandir o projeto para outros segmentos além da Educação Infantil. Algumas das escolas participantes atendem também Ensino Fundamental e até mesmo Educação de Jovens e Adultos (EJA), o que poderá facilitar essa expansão.
No que depender de Giulene, a transformação não tem volta. “Este é um projeto muito bom. Vale a pena a gente lutar. Vale a pena se empenhar”, afirma com determinação.
Por Maria Julia Bottai