20/01/2015
EEI Eva Santos é a primeira Comunidade de Aprendizagem em Educação Infantil do Brasil
A Escola de Educação Infantil Eva Santos fica na vila de Serra Grande, distrito do município de Uruçuca, sul da Bahia. Destino turístico, o tranquilo povoado é cercado de natureza deslumbrante: praias, parques naturais, trilhas e cachoeiras em meio à Mata Atlântica.
Até o ano passado, no entanto, a escola nunca tinha levado seus alunos para um passeio pelos arredores. A partir do segundo semestre de 2014, isso mudou: a escola organizou saídas à praia, ao parque do Conduru e a diferentes bairros da comunidade. E estão usando frequentemente o campo de futebol localizado em frente, que tampouco era aproveitado. O que motivou essas mudanças? A oportunidade de sonhar uma nova escola.
Em 8 de agosto de 2014, a escola Eva Santos tomou a decisão de transformar-se em uma Comunidade de Aprendizagem. Nesse mesmo dia, todos os presentes foram convidados a sonhar. "Mais saídas e passeios, com participação dos pais", foi um dos sonhos já realizados nesse curto período. Outros são: qualificação de professores, formação de familiares, novos brinquedos, cabana (quase concluída), um freezer novo. Ao contar sobre o passeio à praia, a diretora Liziania Madureira se entusiasma: “Eu nunca vi essas crianças tão felizes. Nunca! Foi inesquecível. Agora, a gente perdeu o medo da saída”.
Experiência pioneira no país
A Eva Santos é a primeira escola de Educação Infantil a transformar-se em Comunidade de Aprendizagem no Brasil. Liziania conta que, quando conheceu o projeto, interessou-se imediatamente porque este vai de encontro à proposta pedagógica que ela e sua equipe introduziram recentemente na escola, com foco no lúdico e no aumento da participação das famílias.
Após esse primeiro contato, intermediado pela Secretaria de Educação de Uruçuca e pelo Instituto Arapyaú, Liziania participou do “IV Encontro Internacional de Comunidade de Aprendizagem”, em São Paulo, onde pôde conhecer mais profundamente a proposta e as experiências de escolas da Espanha e do Rio de Janeiro. “Eu pensava: ‘Isto é tudo que estamos querendo fazer na escola, agora mais organizado, estruturado’”, conta. “Conversei com Marly [então diretora da EM Epitácio Pessoa, uma das escolas piloto no Brasil], que me incentivou muito. Ela me disse: ‘Não é projeto que vem pra atrapalhar, só vem pra ajudar!’”, lembra.
Junto ao entusiasmo com relação à participação da comunidade, surgiram muitas dúvidas sobre a possibilidade de aplicar as Atuações Educativas de Êxito na Educação Infantil. Estas foram compartilhadas com a equipe de formação do Instituto Natura, que esclareceu que seriam feitas adaptações, e que seria uma experiência. “A Renata [formadora do Instituto Natura que acompanha a escola] me disse: ‘Vocês serão a primeira escola de Educação Infantil. Nós vamos aprender juntos’. Isso nos animou”, diz a diretora.
Em novembro passado, a escola começou a implementar duas Atuações Educativas de Êxito: Grupos Interativos, para as duas turmas de 5 anos, e Formação de Familiares, ambas uma vez por semana. Apesar do pouco tempo, já se observam mudanças positivas.
Grupos Interativos com jogos
Os conteúdos trabalhados no Grupos Interativos são linguagem oral e matemática. Para as atividades, estão sendo utilizados jogos educativos como os desenvolvidos pelo projeto Trilhas e outros disponíveis na escola. A estratégia tem dado certo. “As coisas estão acontecendo muito rápido. O grupo da tarde se transformou. Não eram crianças concentradas, de começar e terminar uma atividade. Agora eles sentam, jogam. E o jogo só ajuda no aprendizado da criança”, afirma Luciana Gorzel, coordenadora da escola.
As gestoras consideram que melhorou a convivência e aumentou a solidariedade entre os alunos. Elas destacam, também, uma mudança na relação entre professoras e alunos. “Eu percebo que as professoras dos dois grupos passaram a observar melhor os alunos, por ter os voluntários,” avalia Liziania. “Depois da prática dos Grupos Interativos, acredito que as professoras ficaram mais próximas da turma. E proximidade é fundamental na Educação Infantil”, acrescenta Luciana.
Maiane Barbosa, professora do grupo da tarde, vê resultados na aprendizagem dos alunos e em sua própria atuação profissional. “Eles estão desenvolvendo mais a oralidade. Tem casos de crianças que não participavam e não se expressavam claramente e agora se expressam melhor, já podemos entender o que dizem, perderam a vergonha.” Ela conta também que a possibilidade de observar a levou a questionar, aprender coisas novas e melhorar sua atuação. “Os Grupos Interativos estão sendo reveladores pra mim. Tirei inúmeras dúvidas, coisas que passei a usar na mesma semana e já vi resultado. Por exemplo, antes, quando eu perguntava a primeira letra da palavra ‘bola’, eles falavam a vogal, ou seja, a segunda letra. Por causa do jogo e das interações, eu questionei a Lizi, que me deu algumas orientações. Na mesma semana apliquei. Agora, quando pergunto, eles falam a primeira letra, a consoante.” Liziania não tem dúvidas: “Maiane mudou. Eu hoje vejo outra professora”, afirma.
Segundo a equipe, embora tenham começado no final do semestre, os Grupos Interativos fizeram diferença, e os alunos participantes ingressarão no Ensino Fundamental com uma base melhor. Em 2015, o plano é fazer os grupos em todas as turmas da escola. O desafio, aponta Luciana, será mobilizar e manter os voluntários.
Formação de Familiares
Em uma das muitas folhas da árvore dos sonhos da Eva Santos está registrado: Formação de Familiares. Esta Atuação Educativa de Êxito começou a ser realizada na escola no dia 5 de novembro, uma vez por semana. Conforme solicitado pelas participantes, o conteúdo da formação é alfabetização. A formadora é a pedagoga Márcia de Oliveira, voluntária da comunidade especializada no tema.
Composta por duas alunas, a turma ainda é pequena, mas a vontade de aprender é enorme. Renilda Santos, 47, mãe do aluno Marlon, é uma das participantes. Em agosto passado, quando o projeto foi apresentado à comunidade, Renilda estava presente e demonstrou imediatamente seu interesse pela Formação de Familiares. A outra aluna é Nerivalda dos Santos, 51. Ela trabalha como faxineira no Instituto Arapyaú (parceiro da escola e do Instituto Natura) e ali soube da oportunidade. Com "um grande desejo de aprender a ler e escrever”, decidiu participar. Além de receber a formação, ambas também são voluntárias nos Grupos Interativos.
Renilda conta que cresceu na zona rural, em uma família numerosa, e teve que deixar para trás os estudos, para trabalhar e ajudar os pais. “Eu entrei no colégio grande já. Estudei até a quarta série. Mas quarta fraca mesmo, fraca, fraca”, diz. Para ela, poder estudar enquanto o filho está na escola é uma grande vantagem, pois em outros horários não teria com quem deixá-lo. E apesar das dificuldades, de sentir às vezes que “a mente está fechada”, está determinada a aprender. “Enquanto ela estiver ensinando eu vou estudar. Eu quero porque quero aprender. Eu quero saber ler”, afirma.
Nerivalda se emociona ao falar das oportunidades de trabalho perdidas por não ser alfabetizada. “Com 45 pra 46, eu entrei na sala de aula pela primeira vez. A experiência foi boa, mas a melhor que eu achei mesmo foi essa de agora, porque está me ensinando como se eu fosse uma criança. Hoje eu sinto que vou aprender. Estou achando que estou me desenvolvendo melhor, apesar dos poucos dias que estou com ela.” Ela mostra orgulhosa seu caderno de exercícios, onde aprendeu a escrever um recado. “Isso aí pra mim é muito importante. É um pulo que eu estou dando pra frente. É muito bom.”
Após a aula, elas seguem para a sala da turma de 5 anos de período integral, para participar como voluntárias nos Grupos Interativos. Segundo elas, é ótimo porque reforçam a alfabetização e aprendem junto com as crianças. “É bom que vai abrindo a mente”, diz Renilda, rindo.
Compromisso com a transformação
Para 2015, a escola planeja incorporar também as Tertúlias Dialógicas Literárias. A ideia é fazer primeiro com os professores e com os alunos menores, de 2 anos, e posteriormente com todas as turmas.
Quanto ao processo de transformação, a escola está supercomprometida. Foram organizadas cinco Comissões Mistas: Infraestrutura, Pedagógica, Sustentável, Convivência e Formação. Além dos sonhos que estão sendo realizados, outros estão em fase de planejamento: horta, jardim, terminar o parquinho (escorregador), concluir a cabana, aulas de educação ambiental.
O grande desafio, segundo as gestoras, é mobilizar mais a comunidade. “Está começando a acontecer, mas é pouco ainda. Vamos fazer uma avaliação neste fim de ano para ver como trazer os pais à escola. É uma mudança de cultura mesmo. A gente também não se abria, só chamava os pais pra informar, não chamava pra participar”, observa Liziania.
Apesar dos desafios, ela avalia que a escola já avançou muito. “A gente está vendo as crianças se envolvendo, os professores, os auxiliares. A relação entre o pessoal da equipe da escola melhorou muito, especialmente do meio do ano pra cá. Aumentou o diálogo, está mais unida. Está valendo a pena”, conclui.
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Texto e fotos por Maria Julia Bottai