03/10/2019
Encontro debate impactos de CA e estratégias para o fortalecimento do projeto
Formadoras e formadores certificados apresentam conquistas e desafios da prática e discutem caminhos para autonomia e sustentabilidade da proposta nas escolas
Nos dias 24 e 25 de setembro aconteceu em São Paulo o Encontro de Formadoras e Formadores de Comunidade de Aprendizagem da Região Sudeste, uma iniciativa do Instituto Natura planejada para possibilitar oportunidades de intercâmbio e formação para os implementadores do projeto.
“É um espaço onde podem aprofundar conhecimentos sobre temas de interesse, trocar experiências, conhecer o que os diferentes municípios estão fazendo e o que está dando certo em outros lugares”, explica Juliana Sada, analista de projetos do Instituto.
Já se passaram sete anos desde o início da implementação da proposta de Comunidade de Aprendizagem (CA) no Brasil pelo Instituto Natura e o projeto inicia, agora, uma nova etapa que busca ampliar a autonomia dos municípios no desenvolvimento e acompanhamento das ações nas escolas. Para isso, fortalecer o papel de formadoras e formadores e promover a articulação entre os municípios e escolas são processos fundamentais.
"Nesse momento, a gente quer dar mais um passo em direção à autonomia dos municípios, que é uma evolução natural do projeto, alinhada com o que a gente construiu nas conversas iniciais e ao longo destes anos”, declarou Jonas Waks, coordenador de Comunidade de Aprendizagem pelo Instituto Natura. O encontro foi uma oportunidade para aprofundar novas formas de atuação e avançar um pouco mais neste caminho.
Diálogo e participação transformam as escolas
A concepção e as práticas de CA levam as escolas a ter uma gestão mais aberta e com maior participação das famílias, construindo a corresponsabilização de toda a comunidade pelo trabalho pedagógico desenvolvido. Por outro lado, a presença do diálogo possibilita a existência de posturas colaborativas e de relações de respeito mútuo e parceria. Estas são algumas das conclusões do estudo de caso realizado em escolas de CA pela consultoria Move Social, apresentado pelo coordenador Jonas Waks durante o encontro.
“[No estudo] a participação foi declarada como eixo importante para a melhora da aprendizagem. Essa característica, para quem trabalha na perspectiva das interações que transformam, é um resultado super rico”, destaca o coordenador.
Para além da aprendizagem instrumental, diálogo e participação também são chaves para melhorar as relações de convivência e ajudar a resolver conflitos existentes no ambiente escolar. É o que defende a educadora e especialista Flávia Vivaldi, atual secretária municipal de Educação de Poços de Caldas (MG): “a escola não pode continuar cometendo este equívoco da incoerência: ela tem um discurso extremamente pró-social e uma prática ainda autoritária, coercitiva e antissocial”, enfatiza.
A secretária sugere que se adote, por meio do diálogo, uma perspectiva positiva e construtiva do conflito como mecanismo de desenvolvimento dos estudantes. “Quando eu delego para outras instâncias da escola a bagunça que os meninos estão fazendo ou o bate-boca que eles estão tendo e eu mando sair, eu quero acabar com aquela situação logo dentro da sala de aula e continuar a minha aula. Mas o conflito não foi resolvido”, aponta.
O formador do Instituto Natura, Ricardo Paim, corrobora esta perspectiva ao afirmar que o conflito é inerente ao ser humano e não deve ser evitado. “O que temos que prevenir é que o conflito se desdobre em situações de violência”, acredita Paim, que é pesquisador do Modelo Dialógico de Prevenção e Resolução de Conflitos (MDPRC) proposto por CA.
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O exercício diário do Diálogo Igualitário favorece a compreensão da origem dos conflitos e cria oportunidades de convivência harmoniosa entre os pares. “Ao falar em modelo dialógico nós estamos defendendo uma ferramenta social absolutamente importante para os dias de hoje que é a conversa, a escuta respeitosa”, diz Flávia.
Dar centralidade ao processo dialógico na construção coletiva de normas de convivência não significa, no entanto, negligenciar a necessidade de se criar ações efetivas para a resolução dos problemas. “Não adianta combater a intolerância com cartazes”, afirma a secretária. “É preciso planejar ações sistemáticas capazes de substituir a perspectiva unilateral de respeito por atitudes e estratégias cooperativas que levem em consideração a perspectiva do outro e promovam o respeito mútuo”, conclui.
A discussão inspirou formadoras e formadores participantes a construírem, ao final do primeiro dia de encontro, um plano de ação para implementação do MDPRC nos municípios e escolas onde atuam. As ações pensadas apontam o envolvimento dos diferentes agentes educativos como fator importante para a efetivação da AEE e preveem, por exemplo, que as equipes técnicas da SME problematizem, a partir do Modelo Dialógico, como se dá a resolução de conflitos dentro de suas instâncias de atuação, e que gestores desenhem um plano de formação sobre conflitos dentro dos HTPCs.
Conquistas e perspectivas
“A gente iniciou a implementação de Comunidade de Aprendizagem em seis escolas, todas muito precárias na época: banheiro sem porta, sem acessibilidade, sem pátio coberto. De 2016 a 2019, todas as seis escolas foram reformadas e, hoje, a gente percebe que estão limpas, bonitas, transformadas, os alunos se sentem bem, nós professores nos sentimos bem em estar na escola. Então, não deixem de sonhar”, sugere a formadora Luciene de Souza, de Serra do Salitre, Minas Gerais.
A concretização dos Sonhos de estudantes, professores e familiares é o que tem movido a Comunidade de Aprendizagem e mantido as pessoas engajadas ao longo dos anos de implementação do projeto. Celebrar essas conquistas e os sonhos alcançados foi também parte das atividades do Encontro.
Dentre as principais contribuições trazidas pelo desenvolvimento de CA nas escolas do sudeste do Brasil destacam-se, segundo a percepção de formadoras e formadores presentes, a criação das condições para melhoria da infraestrutura escolar, a construção de uma cultura de participação e o aprofundamento da formação de professores e gestores oportunizada pelo projeto.
“Hoje nós já temos escolas que têm redários literários, outras escolas que transformaram o espaço. Outra frente é a questão da organização da comunidade escolar como corresponsável pelo processo pedagógico”, diz Eden Camargo, gerente de Ensino Fundamental da SME de Cajamar (SP).
A diretora escolar em Amparo (SP), Andréa Cristina Primerano, conta que, com o tempo, os familiares foram percebendo que nas escolas transformadas eles não precisavam "brigar" para serem ouvidos. “Os pais entenderam que eles podem entrar na escola e eles não precisam se defender do mundo. Eles lá podem conversar sobre as suas necessidades, sobre o que eles estão precisando e sobre o que eles gostariam de sugerir”, comenta.
Em Mogi Mirim, "a equipe toda da escola é considerada responsável pela aprendizagem das crianças. A gente tem tido este discurso de que todo mundo dentro da escola é educador, não só o professor em sala de aula", destaca Ana Cristina Gazzoto, técnica da Secretaria de Educação.
Aos poucos, o espaço público passa a ser visto como responsabilidade coletiva. “Uma coisa que percebo nas escolas transformadas é o quanto a presença do Comunidade de Aprendizagem contribui para o desenvolvimento de uma gestão democrática”, reforça Andréa Casadonte, técnica da SME no Rio de Janeiro (RJ).
Com o objetivo de pensar estratégias de fortalecimento da implementação de CA, durante o encontro, os participantes se dividiram em mesas temáticas para compartilhar práticas já existentes, propor melhorias e elaborar novas estratégias. O foco das discussões foi como potencializar a transformação de escolas, a expansão das Atuações Educativas de Êxito e a articulação do projeto com políticas públicas. As experiências, ideias e sugestões apresentadas serão sistematizadas e compartilhadas com o grupo para auxiliar no planejamento das ações de CA nos municípios.
O próximo encontro acontece no mês de outubro, em Salvador (BA), com formadoras e formadores das regiões Norte e Nordeste.