04/08/2020
"A Educação precisa ser mais científica" afirma Ramón Flecha
Pesquisador do CREA abre a Certificação 2020 e propõe uma educação democrática, baseada em evidências
"O que estamos fazendo nas escolas ao redor do mundo tem melhorado efetivamente os resultados educativos de meninos e meninas?". Com esta pergunta, o pesquisador espanhol Ramón Flecha abriu a sexta edição da Certificação de Formadores em Comunidade de Aprendizagem. O encontro virtual reuniu cerca de 120 pessoas, entre participantes em formação e formadores certificados desde 2015.
Flecha é um dos fundadores do projeto Comunidade de Aprendizagem (CA) responsável pela pesquisa Includ-ed - que identificou as Atuações Educativas de Êxito que fundamentam a prática de CA nas escolas, atualmente. Junto com outros pesquisadores do Centro Especial de Pesquisa em Teorias e Práticas Superadoras da Desigualdade (CREA), da Universidade de Barcelona, ele segue incansável no intento de promover uma Educação baseada em evidências científicas.
"Há muitos projetos de inovação que são apresentados como teorias. Mas precisamos nos perguntar se estes resultados que nos apresentam têm melhorado a Educação em algum lugar. O que estamos fazendo em nossas escolas está validado cientificamente ou não?". Com este questionamento, o pesquisador convida profissionais da Educação a repensarem seus papéis na construção dos processos de aprendizagens, submetendo convicções pessoais ao debate democrático e a critérios científicos.
Dentro dos princípios da Aprendizagem Dialógica, os argumentos e opiniões de um profissional da Educação não vale mais nem menos do que as de um(a) aluno(a) ou familiar. "O que nos diferencia, não é que nossa opinião vale mais, e sim que temos conhecimentos científicos que nos ajudam e que ajudam a comunidade a entender como atingir melhor os objetivos que a própria comunidade estabeleceu", defende Flecha.
A Educação é uma área do conhecimento com longo histórico de teorias baseadas em ocorrências, sem validação científica. Neste contexto, Comunidade de Aprendizagem desponta como projeto educativo baseado em evidências. Na formulação de suas práticas são implementadas atuações educativas replicáveis com êxito em qualquer contexto ou região do mundo.
Aprendizagem instrumental, emocional e em valores
As Atuações Educativas de Êxito (AEEs) são aquelas que, de acordo com estudos desenvolvidos e validados pela comunidade científica internacional, demonstram obter os melhores resultados nas aprendizagens instrumentais, emocionais e de valores, simultaneamente.
Um exemplo de AEE amplamente disseminado nas escolas de CA são os Grupos Interativos: uma forma de organização de aula baseada na Aprendizagem Dialógica e na diversificação das interações. Reunidos em pequenos grupos heterogêneos, mediados por voluntárias e voluntários - geralmente algum familiar de estudante -, meninas e meninos com diferentes ritmos e perfis compartilham conhecimentos e se ajudam no desenvolvimento das atividades escolares.
"[O Grupo Interativo] dá os melhores resultados porque a aprendizagem depende das interações e não de conceitos e conhecimentos prévios. Se diversificamos as interações em aula, conquistamos melhores resultados", afirma Flecha. O pesquisador reforça que o êxito demonstrado não se limita ao aspecto instrumental, mas engloba valores, emoções e sentimentos, fortalecendo especialmente o sentimento de amizade entre as crianças.
Nas palavras do professor, os Grupos Interativos dão melhores resultados do que outros programas de educação emocional porque, em valores, os meninos e meninas não aprendem tanto o que dizemos como com o que fazemos. "Uma escola que educa em valores não é uma escola que tem programa de educação em valores, oficinas de valores, mas uma escola que transforma toda a sua atividade de acordo com os valores com os quais quer educar", define Flecha.
Nesta perspectiva, transformar a prática educativa requer um exercício coletivo, integral e permanente. "Os valores são para praticá-los a todo momento", reforça o pesquisador.
Espaços dialógicos online
Durante o encontro, formadores de diversas partes do país puderam compartilhar suas estratégias educativas no contexto de distanciamento social e conhecer um pouco do que tem sido feito em escolas na Espanha. Flecha trouxe o exemplo de Comunidades de Aprendizagem de Valência e Múrcia que diante do aumento de casos de abuso infantil no contexto de confinamento organizaram ações para e criar um ambiente seguro e manter vivo o diálogo entre escola e família.
Entre outras iniciativas, foram criados espaços de trabalho dialógicos online - onde as crianças, em conjunto com professores e voluntários se ajudam nas lições de casa e podem compartilhar suas preocupações e experiências diárias - e uma campanha nas redes sociais para manter comunicação constante com as famílias com mensagens de prevenção, apoio e amizade. O objetivo é criar um senso de comunidade por meio das comunicações pelas redes sociais.
Nestas escolas, as comissões mistas - que já atuavam antes do confinamento - agora contribuem com educadores para manter a comunicação com as famílias, trocar informações sobre ajuda econômica ou organizar ações como empréstimos de dispositivos eletrônicos ou materiais escolares para as famílias mais necessitadas, por exemplo. A experiência foi relatada no artigo "Schools that 'open doors' to prevent child abuse in confinement by Covid-19".
Formadoras participantes contaram também como a comunicação online tem se tornado uma aliada no processo de aproximação com famílias que eram pouco presentes no período anterior à pandemia, assim como para o fortalecimento das parcerias já existentes, num momento onde a solidariedade faz toda diferença.
Os relatos também apontam as tertúlias virtuais como espaços fundamentais de acolhimento e aprendizagem nesse momento: "estamos nesse período de pandemia desenvolvendo Tertúlias Literárias com temas que permitem contextualizar o momento, culminando num efeito de relação mais humanizadora", compartilha a equipe de supervisão da SME de Cajamar (SP). Ana Cristina Falcão, do Instituto Chapada, na Bahia, conta que incluíram as Tertúlias Dialógicas Literárias nos Planos de Formação de educadores: "tem sido uma ação de interação transformadora e humanizadora".
Certificação 2020
A Certificação de Formação de Formadores em Comunidade de Aprendizagem é organizada pelo Instituto Natura e pela Baobá em parceria com o CREA – Centro Especial de Pesquisa em Teorias e Práticas Superadoras da Desigualdade da Universidade de Barcelona – e o NIASE – Núcleo de Pesquisa e Ação Social e Educativa da Universidade Federal de São Carlos.
Nesta edição, participam 44 técnicas(os) de secretaria, supervisoras(es) de ensino e orientadoras(es) pedagógicos da Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco e São Paulo. Além da aula inaugural de Ramón Flecha, o primeiro módulo, encerrado na última quinta-feira (30), abordou os princípios da Aprendizagem Dialógica e contou também com participação da pesquisadora do Rocío García Carrión (CREA – Universidade de Barcelona).
O segundo módulo, que se inicia em 24 de agosto, abordará as Atuações Educativas de Êxito e contará com outros nomes do CREA conduzindo as aulas virtuais. São ao todo 180 horas de formação organizadas em três módulos. Este ano, por conta do contexto de distanciamento social, todas as atividades acontecem virtualmente, com transmissões realizadas pela plataforma da UFSCar.