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Notícias

17/01/2017

Transformação de escolas AEE nas escolas

Aprendizagem Dialógica, segundo Rocio Carrión

Aprendizagem Dialógica, segundo Rocio Carrión

Rocio Carrión, do CREA (Centro Especial de Investigación en Teorías y Prácticas Superadoras de Desigualdades), com sede na Universidade de Barcelona, na Espanha, é uma das grandes pesquisadoras de CA hoje no mundo. Em uma palestra realizada em 2016 em São Paulo, ela discorreu sobre as evidências científicas do projeto e o papel da linguagem. A primeira parte do registro dessa apresentação, adaptado da fala da pesquisadora, você encontra aqui.

A segunda parte do registro você encontra abaixo. O tema abordado é a Aprendizagem Dialógica, a concepção de aprendizagem que fundamenta as Comunidades de Aprendizagem e é baseada em 7 princípios (Diálogo Igualitário, Inteligência Cultural, Transformação, Criação de Sentido, Solidariedade, Dimensão Instrumental e Igualdade de Diferenças). A pesquisadora relaciona esses princípios com a prática das Atuações Educativas de Êxito (AEE), aproximando os conceitos do cotidiano e mostrando de que forma as AEE permitem a criação de um ambiente propício para a vivência de um ou mais princípios.

A Aprendizagem Dialógica é também assunto do módulo sobre o projeto Comunidade de Aprendizagem oferecido no curso a distância gratuito deste portal. Basta clicar neste link para começar a estudar. Esperamos que gostem do texto e que possam explorar o curso!

 

1. Diálogo igualitário

De acordo com esse princípio, é necessário existir um clima de igualdade e de validade dos argumentos de cada um dos envolvidos, em que todos participam e ninguém fica para trás. Há contextos em que colocar essa situação em prática é difícil, como quando a outra pessoa não quer dialogar. O pesquisador Habermas orienta sobre a necessidade de criar a situação ideal de fala, de igualdade, com condições para que esse diálogo igualitário ocorra e que os falantes queiram se comunicar. É necessária a solidariedade, uma ação que pretenda buscar o entendimento e o consenso. Em sala de aula, por exemplo, é um clima em que os estudantes se ajudam e se preocupam com a aprendizagem de todos. Outros dois principais teóricos que embasam essa ideia: Paulo Freire e Vygotsky.

Um exemplo de como colocar isso em prática na escola: ao invés de pensar que os pais de um aluno não se interessam pela educação do filho pois foi nunca comparecem à escola, é possível perguntar como eles veem a situação que o filho está vivendo, o que nos coloca em um plano de igualdade entre eles. Temos que mudar a nós mesmos, porque as atitudes influenciam nas relações.

Outro aspecto a considerar: nossas ações geram poder ou validade. Entendemos por poder a vontade de impor argumentos pela força do status, como dizendo ‘isso é assim pois eu digo e sei mais’. Já na ação por validade, o importante é chegar a um acordo e consenso. Algo como ‘Se o seu argumento for melhor que o meu, vou aceitá-lo ainda que eu seja socialmente superior a você’. Para que haja o diálogo igualitário, é preciso essa pretensão de validade.

Mudamos as relações de poder implementando as AEEs. Na Tertúlia, o papel do moderador é organizar o turno de palavra. O professor fica no espaço de silêncio, sem fazer muitas intervenções, enquanto estudantes e famílias podem falar. Entramos em acordo para dar a palavra a quem fala menos e introduzirmos todas as vozes.

Incluímos as pessoas também quando criamos a comissão mista com professores, gestores, parentes e estudantes, e tomamos decisões entre todos sem monopolizar o discurso. Pode ser mais fácil concentrar as decisões em uma pessoa só, já que estamos acostumados com o poder, mas os resultados são muito melhores quando ouvimos todos, tomamos decisões juntos e todos se responsabilizam. A fase dos sonhos existe justamente para incluir todas as vozes e tornar-se o sonho de toda a comunidade, em cada ação, em cada pessoa.

Como as crianças aprendem nos Grupos Interativos? Debate-se uma questão até chegar a uma conclusão. Uma conclusão é boa quando as razões são boas, esse é o poder dos argumentos. Se um não está de acordo, é preciso que ele explique e fazer os demais entenderem o que está pensando.

Os voluntários asseguram que todas as vozes sejam incluídas, que as pessoas dialoguem, argumentem, expliquem e participem. Isso tem um impacto muito grande sobretudo para as crianças que normalmente não falam, e que nessas situações têm a oportunidade de contribuir. Essas pessoas não precisam ser um tipo ideal que consiga propor interações interessantes e diálogos igualitários sempre. Há aqueles que dinamizam melhor, então podemos aprender com eles e compartilhar esse saber com outros sem necessidade de uma técnica. Como outros, é necessário procurar maneiras de inseri-los: dar pistas sobre como desempenhar suas funções, assegurar que participem e transmitir confiança de que eles vão conseguir.

Como mudar o discurso monológico do professor que fala o tempo todo e de um contexto que não possibilita a participação dos alunos? Esse discurso não permite reflexão, pensamento crítico e nem diálogo igualitário. É como disse Paulo Freire sobre a sua ‘educação bancária’: o professor fala, preenche as cabeças vazias dos alunos e transmite esse conhecimento – uma postura totalmente anti-dialógica. Precisamos romper isso quando me situo e sou consciente de que tenho ferramentas para mudar minha posição na estrutura social. São essas as formas de transformar esses contextos – seja dentro da escola ou até do bairro em que se está.

A escola é o motor de transformação do bairro. Começamos pela escola, mas há um processo de troca: a escola passa a se abrir para a comunidade. Podemos falar com a associação de vizinhos, com as famílias, com a igreja etc. As formações não são feitas somente com os professores e pesquisadores, envolvemos também os serviços sociais, a secretaria de políticas públicas e todos entram nesse diálogo sobre o que precisamos fazer ou como vamos melhorar. Começamos na escola, mas levamos em conta todas as necessidades sociais.

 

2. Inteligência cultural

Trabalhamos em Comunidade de Aprendizagem a quebra do monopólio do conhecimento do especialista. Todas as pessoas podem participar pois possuem inteligência cultural. Isso é o que faz com que todos falem nas Tertúlias ou em um grupo de professores, criando contextos de transformação. Se em uma empresa temos a intenção de criar um conhecimento compartilhado e coletivo, podemos atingir esses resultados.

Sem esse princípio, dificilmente se poderia escutar as pessoas da comunidade. Todas as pessoas, inclusive as analfabetas, têm inteligência cultural. As bases teóricas que estão por trás desse princípio são de Silvia Scribner e Michael Cole.

Retomando um pouco do modo como a inteligência já foi vista ultimamente: investigações nos EUA tinham a ideia de que a inteligência era o que indicava o Q.I., uma questão inata e biológica registrada por testes e categorização. Nos anos 1960, 1970 e 1980, pesquisadores investigam como trabalhadores braçais desenvolvem uma inteligência prática.

E na Inteligência Cultural, acredita-se que habilidades práticas são tão válidas para a inteligência quanto as acadêmicas. Uma não vale mais do que a outra. Todas as pessoas têm qualidade comunicativas. Todos nascemos preparados para comunicar (como diz Chomsky). A inteligência cultural inclui todas as habilidades: acadêmicas, práticas e comunicativas.

Por exemplo: ao comprar um equipamento novo, a pessoa com habilidade acadêmica lê o manual de instrução ao pé da letra, alguém com inteligência prática já o usa e aprende assim e a pessoa com inteligência comunicativa vai conversar com mais pessoas. Se nos juntarmos, aprenderemos mais uns dos outros! Essas ideias estão em todas as interações e aprendizados de CA. Importa a linguagem verbal e emocional, a forma inteira de se comunicar: não somente o que dizemos, mas também como dizemos. A experiência de vida das pessoas da comunidade se conecta com as crianças com uma riqueza enorme se aproveitarmos essa inteligência cultural.

 

3. Transformação

Queremos que haja transformação de todas as interações para favorecer a aprendizagem. Em “À sombra desta mangueira”, Paulo Freire escreveu: somos seres de transformação e não de adaptação”. Diálogos e interações nos permitem a transformação: mudar a linguagem para mudar o pensamento e sairmos do ciclo de exclusão. Vygotsky diz que somente a transformação do contexto promove o desenvolvimento cognitivo, social e emocional. Ainda ele: ao mesmo tempo que afetamos a natureza da pessoa com uma interação, a pessoa também modifica a natureza das coisas. Somos pessoas que transformamos o entorno.

Em CA, o foco é na Zona de Desenvolvimento Proximal, que é a base de Vygotsky.  Quanto maiores as expectativas, melhor. Colocamos nossos esforços de alcançar o que falta no estudante em relação ao seu próprio desenvolvimento, vemos as possibilidades de transformar e não em esperar algo mudar passivamente.

Uma forma de criar a Zona de Desenvolvimento Proximal é organizar nos Grupos Interativos o trabalho entre crianças de diferentes níveis, na interação diversificada.

Outra teoria que está por detrás das transformações é o interacionismo simbólico de George Mead. Ele explica que uma pessoa se forma por 2 partes: eu e mim. Mim é a voz dos demais que entra em mim. Se digo: “que bom você é em matemática!”, essa mensagem entra em mim e eu reajo: “eu sou bom em matemática!”. Ou se tenho que saltar uma poça, não me sinto seguro, pergunto para alguém e essa pessoa me desencoraja, eu reajo com nervosismo e não consigo sucesso na tarefa. Se esse alguém me encoraja sem acreditar, fracassarei novamente. Por último, se esse alguém realmente me encoraja e acredita em mim, aí sim terei sucesso na tarefa. Isso acontece o tempo todo e tem um efeito muito claro em educação, cria expectativas muito claras, o que se chama a Profecia Auto-realizadora ou efeito Pigmaleão. Um exemplo dessa profecia: duas classes muito parecidas são apresentadas com descrições opostas a dois professores diferentes: uma delas dirá que os estudantes são excelentes e a outra dirá que os estudantes são péssimos. Ao final do ano, os resultados seguirão a expectativa criada anteriormente: a classe dita boa irá bem, e a ruim irá mal. Essas mensagens influenciam o tempo todo.

Tudo pode mudar por conta da dinâmica social do aprendizado. Não há inteligência estática. Nós temos que questionar nossas próprias expectativas e crenças sobre as pessoas com as quais trabalhamos. As nossas ações influenciam as nossas crenças, e não somente o que digo, mas o que penso e o que recebo. Quando uma voluntária diz às crianças que elas são capazes, há uma mudança de atitude e muitas crianças terão êxito. Não basta somente as expectativas, mas para introduzir interações que assegurem que haja transformações, é preciso mexer no contexto. Essa transformação é o que queremos gerar em todas as interações que produzimos nas salas. E que seja na escola, em casa e no bairro.

 

4. Criação de sentido

Bruner diz que a cultura e a busca de sentido são as verdadeiras causas da ação humana. Se um projeto não faz sentido para mim, não vou me envolver com ele. Uma escola normalmente me apresenta uma imagem tão distante que não encontro um sentido. Se nela não aprendo, se me maltratam, qual sentido encontrar?

O sentido pode ser encontrado em diálogo e interação. Não é preciso que seja algo próximo a mim: posso falar sobre a Odisseia e aquilo fazer sentido. Quando o pai prisioneiro comparece como voluntário à escola, o filho quer ir à escola também. Ou quando uma mãe participa como voluntária pois o filho desejou isso em seu sonho, o filho passa a ter outra postura. É isso que faz a diferença, que a escola escute a população. Bruner diz que é importante o sentimento de mudanças focando aonde queremos chegar.

 

5. Solidariedade

Solidariedade com quem temos ao nosso lado. Aprendemos do que fazemos, não do que dizemos. Com amigos aprendemos mais, a interação é mais profunda em nível cognitivo e sócio-emocional.

No Canadá, foi feito um estudo onde verificou-se que aquelas crianças que tinham melhores amigos estavam muito mais protegidas de bullying. Era importante que fosse uma amizade autêntica, de verdade, que a protegesse sempre. A solidariedade fomenta relações profundas.

 

6. Dimensão Instrumental

Se Comunidade de Aprendizagem parecer exitoso, mas os estudantes não aprenderem, o projeto não serve para nada. A melhora dos resultados (na escola, no emprego e na saúde) é um princípio fundador do projeto. É preciso que os estudantes aprendam, que haja evidências de êxito, pois senão o sonho não servirá para nada.

O pesquisador Bruner, pai da psicologia cultural, diz que qualquer pessoa pode ser ensinada, todos nascem preparados para aprender, qualquer que seja seu nível de desenvolvimento. Não é preciso esperar um momento para introduzir a aprendizagem, pois o que mais ensina as pessoas é o desafio cognitivo, um bom obstáculo. Não aprendemos a saltar se não há bons obstáculos.

Foi feito um estudo com homens que realizaram Tertúlias dentro da prisão. Em um contexto de exclusão, falam de literatura, sobre a condição deles de prisioneiros. Imaginem a transformação. Era um espaço especial para eles. Muitos diziam que quando saíram podiam falar de algo, podia falar de literatura, um poder muito importante que os diálogos e reflexões trouxeram. Essa porta de liberdade que as pessoas encontram dentro da prisão são formas de introduzir a dimensão instrumental em diferentes contextos.

Estabelecem interações de funções mentais superiores. Pensar ‘concordo com algo’, ‘isso me fez pensar de outra maneira’, ‘algo me fez pensar algo’, ‘em casa pensei de maneira diferente e ao ouvir os demais penso de outra forma’, ‘não estou de acordo com essa outra ideia’. Esses diálogos acontecem a todo momento. Não somente as formas linguísticas se tornam mais complexas e difíceis, como aprendem vocabulário, expressões e temas morais muito profundos que não aprenderiam de outra forma. É um aprendizado que acelera muitíssimo o desenvolvimento.

As Tertúlias não trazem somente interações acadêmicas, mas também emocionais, além de sentimentos e valores. Conseguimos que em uma Tertúlia as crianças falem o tempo todo e aprendam que podem participar, explorando por exemplo temas morais e emocionais, como sinceridade, mentira, direitos humanos, riqueza, pobreza, vida, morte, amor e amizade. As crianças veem que podem entender o que os outros pensam a partir das Tertúlias e ter uma mesma ideia com uma opinião diferente, um pensamento crítico. Poucas vezes temos oportunidade de sermos escutados por todos. Damos assim oportunidades para que aprendam a escolher de quem querem ser amigos e amigas. Pois se não gostam da opinião de alguém não precisam aceitar a amizade dessa pessoa.

 

7. Igualdade de diferenças

Em CA não queremos homogeneizar. Somos diversos e a diversidade é um diamante bruto mas temos que saber polir: não basta misturar as pessoas e dizer ‘somos diferentes’ ou dizer ‘cada um é diferente’, ou ‘cada um é diferente e alcançará diferentes níveis’, ou ainda dizer ‘somos todos iguais’. É direito de todas as pessoas viver de formas diferentes, mas com as mesmas oportunidades de realização. Como diz Paulo Freire: nem igualdade homogeneizadora, nem diversidade desigual.

Com as diferenças que temos, nos organizamos para que todos cheguem aonde querem. Que haja uma igualdade de resultados e não uma igualdade de oportunidades. Não interessa somente as oportunidades, mas saber quantos alcançam o objetivo e quantos se perdem no meio do caminho. Queremos que todos cheguem lá.

Sabemos que é difícil, mas é preciso um ideal para nortear o trabalho e nos levar para além da nossa condição atual. Sem esse ideal é impossível. Ele permite que mais pessoas cheguem a essas interações.

 

Tradução e transcrição de Lucas Botelho

Edição de Beatriz Santomauro

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