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Notícias

15/03/2018

AEE nas escolas

Comissões mistas aprofundam diálogo entre escola e familiares

Comissões mistas aprofundam diálogo entre escola e familiares

Em Cachoeiro do Itapemirim (ES), a participação educativa da comunidade transforma antigos conflitos em parceria


O texto a seguir conta a experiência de uma escola do município de Cachoeiro do Itapemirim (ES) que ampliou o diálogo e a participação de agentes educativos da comunidade por meio da implementação de Comissões Mistas. As informações foram retiradas do relato de Bianca Miguel - formadora do projeto Comunidade de Aprendizagem - organizado no artigo “Participação Educativa da Comunidade na Escola de Tempo Integral Francisco Ávila/ES: alguns aspectos do processo de integração entre Escola da Escolha e o Projeto Comunidade de Aprendizagem”. 


 

Em Coronel Borges, bairro de ocupação antiga situado nos limites da malha urbana do município de Cachoeiro do Itapemirim (ES), encontra-se a escola Francisco Coelho Ávila Júnior. Em 2015, após um processo de diálogo com a comunidade, a escola passou a fazer parte do programa Escola Viva, implementado pela Secretaria Estadual de Educação do estado do Espírito Santo.

O programa está fundamentado nas diretrizes da Escola da Escolha: proposta de Educação Integral desenvolvida pelo Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), onde currículo e práticas pedagógicas têm como foco o jovem e seu Projeto de Vida. Para tanto, o projeto propõe uma escola direcionada à comunidade, parceira dos pais e ancorada em processos de colaboração e cooperação.

“No nosso entendimento, o desenvolvimento pleno que se espera da Educação Integral só será efetivo se a proposta pedagógica for composta por diferentes linguagens, numa perspectiva integrada, visando ao aprofundamento de saberes e ao aprimoramento de habilidades e competências. Para isso, é imprescindível promover a reconstrução do Projeto Político Pedagógico (PPP), de forma coletiva e compartilhada, potencializando os conhecimentos e saberes que os estudantes, as famílias e a comunidade trazem para a escola” – trecho retirado do Projeto Pedagógico Programa Escola Viva.

De início, a adesão ao programa estadual trouxe à escola duas mudanças significativas: a ampliação da jornada escolar para 9 horas e 30 minutos, recebida com desconfiança por parte das famílias, e uma reestruturação profunda das relações e de seu sistema hierárquico, que passou a ser pautado no protagonismo dos estudantes e no diálogo com a comunidade.

O intuito de potencializar a parceria com familiares e a comunidade local e garantir a formação de jovens autônomos, competentes e solidários, viabilizou, no âmbito do programa Escola Viva, a parceria entre o projeto Comunidade de Aprendizagem, do Instituto Natura e o Escola da Escolha, do ICE.

Foi neste contexto que, em 2016, a escola tornou-se Comunidade de Aprendizagem, incorporando em seu projeto educativo algumas das Atuações Educativas de Êxito e a concepção de Aprendizagem Dialógica.

 

A solidariedade é científica

“Somos o que somos graças aos outros, somos filhos e filhas da solidariedade, e, cientificamente, pode-se afirmar que ser solidário é racional” - Antonio Aguilera, professor da Universidade de Sevilha

Alunos participam de Grupos Interativos na escola Francisco Ávila

As escolas agregam em seu interior grande diversidade de culturas e formas de pensar. Tal situação muitas vezes se converte em fonte de conflitos, mas pode propiciar também o encontro gerador de conhecimentos e a convivência pautada no respeito às diferenças. A preponderância de uma ou outra perspectiva vai depender diretamente da forma como a equipe escolar se prepara e se coloca diante da diversidade, e de como a apresenta aos estudantes em suas práticas, segmentações ou convergências, aberturas ou fechamentos e nos acordos explícitos e implícitos de que cada ação do cotidiano escolar está imbuída.

Uma forma potente de vivenciar a diversidade e torná-la um recurso a favor da aprendizagem acontece quando a escola se abre à participação da comunidade estabelecendo uma parceria efetiva com as famílias dos estudantes. Neste movimento, outros agentes do território podem contribuir para reorganizar as relações e melhorar a convivência.

No caso da escola Francisco Ávila, a atuação de uma Comissão Mista tem favorecido a convivência na diversidade e propiciado, no lugar de conflitos, encontros fecundos. Compostas de forma heterogênea por familiares, professores, funcionários e estudantes, as comissões mistas participam das decisões da escola e ajudam a melhorar tudo aquilo que possa impactar positivamente a aprendizagem dos estudantes.  

Para viabilizar o trabalho das comissões e qualificar a participação das famílias nas escolas, foram organizadas formações continuadas nos conteúdos de Comunidade de Aprendizagem ministradas aos coordenadores, professores e gestores, ao longo de todo o ano.

Segundo Elizane Mecena, consultora do ICE que acompanhou as Escolas Vivas durante todo seu processo de implantação, “a chave é o diálogo entre a equipe e o planejamento, de forma que uma ação praticada por um professor, converse com a do diretor e o estudante sinta que está em um lugar em que todos falam a mesma língua e o reconhece em suas necessidades”.

 

Fortalecimento da parceria escola-família

“(...) algumas escolas desperdiçam seus esforços ao tentar recuperar seu poder que está em crise em todos os lugares, e o fazem sem recorrer à negociação, mas ao poder novamente, impondo sua autoridade. O resultado é a piora da convivência” - Aubert, A. Flecha, A., García, C, Flecha, R. & Racionero, S.*

Na escola Francisco Ávila, a proposta de integração entre escola e família não se limita aos formatos informativo ou consultivo majoritariamente praticados pelas instituições escolares, mas se amplia para formas decisórias, avaliativas e educativas de participação.

A ideia é incentivar a atuação entre pais, familiares e responsáveis, entre parceiros e comunidade, por meio do princípio da corresponsabilidade, envolvendo a todos na atuação comprometida com o projeto escolar.

Desde que assumiram a gestão da escola, no segundo semestre de 2016, a diretora Fernanda Ferreira Vilella e a coordenadora pedagógica Robertina de Paula Sansão iniciaram um diálogo aberto com os familiares. Ao se depararem com as tensões da escola e com uma série de dificuldades administrativas a primeira decisão que tomaram foi a de chamar uma reunião com os familiares para compartilhar as questões e pedir ajuda na resolução dos conflitos então instalados.

Grupo de mães de alunos, integrantes das Comissões Mistas

A partir do dia 1º de agosto, quando a primeira reunião aconteceu, sugeriram a organização de uma Comissão Mista, com participação das famílias, e de lá para cá o grupo passou a se reunir regularmente todas as segundas-feiras.

“Nessas reuniões do grupo são colocadas as dificuldades e encaminhadas as soluções”, conta Fernanda. “Esses pais têm sido parceiros da escola, estão presentes à noite para que o time de basquete possa jogar, orientaram formas de lidar com o tráfico de drogas na escola, ajudam a comunicar tudo que acontece no cotidiano com clareza para a comunidade evitando boatos e ruídos, e têm participado de atividades pedagógicas como o Estudo Orientado e os Grupos Interativos. Eles são os embaixadores da escola na comunidade”, afirma a diretora.

“Deixar a porta aberta”: assim foi batizado o estilo posto em prática pela dupla de gestão. Robertina, relata que ações simples como auxiliar pessoalmente na entrada dos estudantes, garantir a aproximação com os professores fora dos espaços de reuniões formais e convidar as famílias a adentrar a rotina escolar de seus filhos, mantendo as portas abertas, ajudaram a restabelecer a confiança entre equipe e comunidade, de forma que isso foi sendo percebido pelos meninos e meninas.

“O processo tem se dado de uma forma surpreendente, as pontes de solidariedade e confiança que se estabelecem entre mães são reais. Em alguns momentos as mães conseguem estabelecer um diálogo entre elas (que é) difícil da gestão ou mesmo de um professor alcançar, pelo fato de não serem parte daquela comunidade”, analisa a coordenadora.

Dados da pesquisa INCLUD-ED demonstram que escolas com famílias de baixo status socioeconômico e forte envolvimento da comunidade apresentam progressos positivos em seus resultados educacionais em comparação com escolas com características semelhantes. Depois de analisar esses casos em profundidade, o estudo concluiu que os tipos de participação decisiva, avaliativa e educativa são os que de fato contribuem para o êxito acadêmico. Para que a aliança entre escola e comunidade se efetive é necessário ir além das ações pontuais e participação nas festividades e construir ações concretas endereçadas ao engajamento das famílias.

 

Pedagogia da presença

“A capacidade de fazer-se presente de forma construtiva na realidade do educando não é como muitos preferem pensar, um dom, uma característica pessoal e intransferível. Ao contrário é uma aptidão que pode ser aprendida desde que haja, de quem se propõe a aprender, disposição interior, abertura, sensibilidade e compromisso para tanto” - Antônio Carlos Gomes da Costa

Segundo Antônio Carlos Gomes da Costa, autor de referência da Escola da Escolha, o processo de aproximação pedagógica e afetiva é indispensável a qualquer processo educativo que se queira efetivo e impregnado de sentido. Na escola Francisco Ávila, algumas mães fazem-se presentes todos os dias, seja auxiliando na entrada dos estudantes, seja participando ativamente das atuações educativas. O contato diário com os jovens e crianças tem desenvolvido também entre elas o exercício daquilo que o educador define como Pedagogia da Presença Pedagógica.

Dessa forma, os familiares têm, aos poucos, se reconhecido também no papel de educadores ao terem seus saberes valorizados pela escola. Experiências como essas fortalecem a identidade local, o que ajuda a tornar os conteúdos escolares cada vez mais próximos do cotidiano dos alunos e a melhorar, assim, seu desempenho.

Alunos da escola Francisco Ávila durante Tertúlia Literária

Atualmente, a escola Francisco Ávila têm 539 alunos matriculados, entre turmas de Ensino Fundamental II e Médio em tempo integral. Além dos estudantes moradores do entorno, a escola recebe jovens e crianças de bairros vizinhos e de municípios próximos, vindos tanto de famílias de classes populares como de média renda, inclusive egressos de escolas particulares, cujas famílias foram atraídas pela perspectiva de uma educação pública qualificada.

O diálogo entre professores, comunidades, estudantes e familiares de diferentes origens tem sido a chave para superar desigualdades e melhorar a interação. Neste sentido, as redes de solidariedade podem e devem ser refeitas, são recursos seguros e protetores contra a violência, o abandono escolar e as discriminações nas escolas que mais tarde se converterão em exclusão social com consequências para todos.

Parafraseando o sentido de rede generosamente partilhado pelos povos indígenas, este é, afinal, o lugar onde descansamos e embalamos na segurança de que o outro é capaz de suprir a lacuna faltante, a resposta necessária, um pavimento a mais no caminho comum. Sentido que a fala de Fernanda resume bem: “a escola segue com grandes desafios, a diferença é que agora eles são compartilhados”.  

 

*Citação do livro "Aprendizagem dialógica na sociedade da informação".

 

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