11/08/2016
Evidências científicas, interações e linguagem, segundo Rocio Carrión
Em março de 2016, a pesquisadora Rocio Carrión, do CREA (Centro Especial de Investigación en Teorías y Prácticas Superadoras de Desigualdades), com sede na Universidade de Barcelona, na Espanha, apresentou-se à equipe do Instituto Natura que trabalha com o projeto Comunidade de Aprendizagem. Ela resumiu a atuação do projeto, falou sobre evidências científicas e explicou os princípios da aprendizagem dialógica. Transcrevemos, traduzimos para o português e adaptamos a fala da pesquisadora em dois textos para a área de notícias. O primeiro deles você lê abaixo:
Interações dialógicas
“Com base em pesquisas, sabemos que as interações são a chave da aprendizagem, dos desenvolvimentos cognitivo, emocional e social, além da transformação educacional e social. Mas em quais interações isso ocorre? Que tipo de diálogos vão trazer maior êxito?
Em Comunidade de Aprendizagem, buscamos as interações dialógicas. Elas ajudam a melhorar o contexto social e cultural para além das escolas, atuando em problemas e soluções reais e transformando casas, comunidades e bairros.
Queremos introduzir essas interações dialógicas para garantir a inclusão de comunidades e de crianças com defasagem nas escolas, e para o desenvolvimento integral das pessoas. Os resultados decorrentes disso são econômicos, mas também de valores, emoções e sentimentos.
Evidências científicas
No artigo 27 da Declaração dos Direitos Humanos, lê-se que todos temos direito de nos beneficiarmos do progresso científico. Achamos importante que isso também esteja ao alcance da educação, e não só de outras áreas do conhecimento. Por isso, Comunidade de Aprendizagem tem como base um conjunto de atuações educativas de êxito (AEE) validadas cientificamente. Daqui a 50 anos esperamos que haja outras atuações de êxito, assim como no passado não existiam essas. Seguimos investigando para incorporarmos novas, mas já sabemos que essas são as que atingem os melhores resultados independentemente dos contextos nos quais se aplicam. Nessas atuações, são reconhecidos dois fatores-chave para a aprendizagem: interações e participação da comunidade.
Includ-ed
Essas evidências foram vistas no Includ-Ed, pesquisa realizada em todos os sistemas educativos da Europa. Não analisamos somente as escolas, mas também o seu entorno e o impacto na sociedade. Olhamos AEEs que integram outras áreas sociais, como a habitação, a saúde e o trabalho – inclusive reduzindo o desemprego!
Includ-Ed é a única pesquisa de educação selecionada em levantamento europeu que mostra o impacto social às pessoas e famílias. Dois exemplos: Na escola La Paz, de Albacete (Espanha), somente 40 alunos, de 300 do total, compareciam às aulas e o nível de aprendizado era baixíssimo. Quando eles incorporam AEEs, transformaram a sociedade, diminuíram o absenteísmo e melhoraram os resultados.
Outro caso, foi de uma estudante de 10 anos chamada Maria que estava com o pai preso. Nem ela nem seu irmão queriam ir à escola. Mas quando a instituição passou pelo processo de transformação de Comunidade de Aprendizagem e foi incorporado o Ensino Médio como resultado do desejo das famílias, Maria viu que os sonhos eram possíveis de ocorrer, e passou a ter a chance de considerar uma vida melhor e de continuar estudando.
Essas são as transformações que podemos gerar com impacto social e estão baseadas em AEE, em intervenções, em formas de organização da comunidade e da participação. Mas coletar dados, pesquisar e levar à universidade não basta. Queremos dar soluções: usar o conhecimento para melhorar a educação e a vida das pessoas. Isso é o que atingimos com Includ-Ed e o que perseguimos com Comunidade de Aprendizagem, com a orientação dialógica, com o trabalho das mulheres a respeito da violência de gênero, com temas de multiculturalismo ou qualquer outro. Essas pesquisas já estão publicadas na revista Nature.
Piaget e Vygotsky sobre linguagem
A Aprendizagem Dialógica é tão potente para melhorar resultados porque utiliza um instrumento fundamental: a linguagem. Vygotsky, psicólogo russo que revolucionou a concepção sobre como pensamos e como aprendemos, disse que os cérebros não funcionam como computadores individuais pois o ser humano raciocina a partir de diálogo. Ou seja, a construção do raciocínio ocorre antes no plano social e depois no plano individual.
Tudo nasce de um contexto e tem interferência do que foi conversado antes, e a interação social é que dá forma ao pensamento. A linguagem é a ferramenta mais importante que veicula o pensamento, pois permite que os propósitos sejam compreendidos e que entremos de acordo com outras pessoas. O conhecimento é criado entre pessoas que dialogam. A chave está no diálogo em qualquer âmbito social.
Já Piaget dizia que havia etapas para o desenvolvimento humano. Vygotsky fez os mesmo experimentos de Piaget e os contestou porque alcançou resultados diferentes. Piaget dizia que não devemos ensinar um menino a ler até os 6 anos, pois ele está preparado. Vygotsky disse que a aprendizagem não se trata de um processo interno, mas ocorre primeiro no nível social e depois no individual.
Piaget dizia que temos uma fala interna aos 4 anos, quando as crianças murmuram e emitem sons para si próprias, mas que depois dos 7 anos já não fazem mais isso. Vygotsky discordou, afirmando que a linguagem e a fala são fundamentais. Afinal, a fala interna desaparece com a idade ou isso é resultado da interação? Se mudamos o contexto, a criança fala muito mais! A natureza das funções superiores é social, depende do contexto e da cooperação com o adulto ou com outra pessoa.
A linguagem é profundamente transformadora. Exemplo da aluna Ania: “É como se mudássemos nossa maneira de ver, pois é como se víssemos como o outro pensa”. Dependendo de como atuamos, geramos nossas formas de pensamento. Isso é o que as últimas investigações dizem sobre o cérebro social, o que nos ajuda a entender como pensamos, ensinamos e aprendemos. Aquela teoria de um raciocínio pré-determinado não funciona mais, pois tudo é social e depende da interação.”
Tradução e transcrição de Lucas Botelho
Edição de Beatriz Santomauro